Hoje falo desse estilo clássico escocês e uma receita com lúpulos neozelandeses. Será que isso dá certo?
Ao contrário do que muitos pensam, esse pode ser um estilo pra quem quer entrar no mundo das artesanais. Basta saber escolher qual subtipo, ou melhor, qual shilling (shi o quê?!?!)
Resumo do estilo .... e wtf é 'shilling' ???
As ales escocesas são cervejas maltadas que se diferenciam principalmente pelo seu teor alcoólico. Elas são mais limpas (menos ésteres e outros subprodutos da fermentação) e tendem muito mais ao maltado que sua prima English Pale Ale (clica aqui pra saber mais sobre a EPA).
Elas variam da Scottish Ale, de baixo teor alcoólico (praticamente um suco de cevada), até as mais 'volumosas', as Scotch Ales.
De modo geral, esse estilo é limpo, maltado, levemente doce e com pouco ou nenhum sabor de lúpulo. Seu teor alcoólico pode ir desde o muito baixo (2.5% !!) ao 5% (que também não é lá tão alto).
Por isso, ao contrário do que muitos pensam, é um estilo que pode ser oferecido àquela pessoa que quer se iniciar no universo das cervejas especiais.
Elas possuem aroma focado no malte, com notas de pão e caramelo.
Na cor, vão do âmbar bem claro ao cobre escuro.
Mas, e o shilling?
Há muitos anos o preço do barril da cerveja era dado em shilling (ou xelim, em português), uma antiga moeda europeia, e esse valor variava de acordo com o teor alcoólico.
O shilling e o penny são representados pelo símbolo -/-, assim, 80/20, significa 80 shillings e 20 pennies (ou pence), ou 80/- significa simplesmente 80 shillings.
Hoje essa moeda não existe, mas continua sendo usada como símbolo para diferenciar uma cerveja de outra em termos de força alcoólica (ABV).
As ales escocesas possuem 3 subcategorias conforme seu ABV: light, heavy e export e são, respectivamente, conhecidas como 60/-, 70/- e 80/-, que, por serem muito similares, possuem a mesma receita base, se diferenciando pela quantidade de ingredientes.
As Strong Scotch Ales são designadas com valores mais altos, indo de 90/- a 160/-.
Como a geografia e os impostos determinaram o estilo
Uma série de fatores influenciaram a criação e consolidação do estilo, por exemplo:
A Escócia é produtora de cevada, porém a que é plantada no Norte vai para a produção de whiskey, a do Sul é usada nas cervejarias. De qualquer forma, o país tem fácil acesso aos grãos.
Já o lúpulo, não conseguiu prevalecer no país. Por isso, os escoceses já experimentaram de tudo para temperar a cerveja: gengibre, pimenta, ervas aromáticas etc etc etc.
Em 1707, quando a Escócia se juntou à Inglaterra no Reino Unido, os impostos foram aplicados de tal forma que a Escócia pagava mais imposto sobre o lúpulo que a Inglaterra.
Por tudo isso a Escócia consolidou um estilo voltado bem mais ao malte que ao lúpulo.
Dicas de ouro
Na cozinha: por terem baixo amargor, são cervejas ótimas para cozinhar (seja para beber enquanto cozinha, seja usando como ingrediente)
Malte Base: Pale ale e ponto final.
Maltes especiais:
Cevada torrada, malte black ou chocolate entre 0.5% e 2% da receita
Cevada em flocos ou Trigo entre 2% e 8%
Se quiser seguir a tendência de muitos cervejeiros contemporâneos, malte crystal entre 5% e 10%
Uma pitada (1% a 5%) de Munich ou biscuit
Considere também, adicionar um pouco de malte defumado
Lupulagem: entra apenas para equilibrar o dulçor, por isso é bem baixa. Nas Scottish use apenas o de amargor e numa relação BU:GU entre 0.3 e 0.6
Água: alta em cálcio, sódio, carbonatos e cloreto. Baixa em sulfatos.
Mostura: Entre 68°C e 70°C para produzir as dextrinas.
Fervura: bem vigorosa para favorecer a caramelização
Fermentação:
Mantenha uma fermentação limpa, no limite baixo da ale (16°C~18°C) e com uma levedura neutra e de baixa atenuação.
3 semanas de fermentação
6 semanas de maturação a frio (2°C~7°C)
Serviço:
Ela atingirá o pico entre 1 e 3 meses após carbonatar e se manterá assim por 6 meses
Sirva a 13°C em copo tipo caneca
Receita clone da Renaissance Stonecutter Scotch Ale
Essa receita leva 9 (nove !!!) tipos diferentes de malte e eles estão no comando (como manda o estilo), dando toques de assado, torrado, chocolate, caremelo e um toque especial do malte defumado.
Outro toque vem do uso da madeira. A cervejaria Renaissance aprecia seu uso e, para essa receita, recomenda 15g de lascas de carvalho no fermentador por 3 a 5 semanas na fermentação secundária.
O toque neozelandês vem dos lúpulos típicos da região, mas nada exagerado para não fugir do estilo.
Vamos à receita de uma Smoked Scotch Ale (ingredientes para 20l em um sistema com 75% de eficiência):
OG = 1.074
FG = 1.024
ABV = 7.1%
IBU = 18
Cor = 30 EBC
30l de água
Malte Pale Ale 3.2 kg
Malte Amber 630 g
Malte Caraamber 630 g
Malte Biscuit 320 g
Malte Crystal 40EBC 320 g
Malte Crystal 80EBC 320 g
Malte Trigo 320 g
Malte Defumado 80 g
Malte Trigo 320 g
Lúpulo Southern Cross 14% 13g 60min
Lúpulo Pacific Jade 13% 10g 20min
Levedura: Wyeast Labs 1968 (London ESB Ale). Faça 2 litros de starter.
Mostura
60min @ 68°C
10min @ 76°C
Fervura
60min
Fermentação/Maturação
2 semanas @ 18°C
3 a 5 semanas @ 5°C e com adição de 15g de lascas de carvalho. Vá experimentando de tempos em tempos para verificar o ponto que seu paladar prefere.
Envase
Carbonatar a 2.4 volumes de CO2
Isso dá cerca 6g/l se for fazer priming com açúcar
Ou 0.74 bar (10.7psi) de CO2 no caso de carbonatação forçada com a cerveja a 4°C
Conclusão
Você viu que:
O estilo escocês, ao contrário do que se imagina, é uma cerveja que pode ser oferecida para quem quer entrar nesse universo de cervejas artesanais. Basta saber escolher o poder alcoólico conforme o seu " /- " (shilling).
Muitas vezes as imposições geopolíticas influenciam o caminho de determinados estilos.
União de dois países (Escócia e Nova Zelândia) numa receita interessante.
Referências
Livros
ZAINASHEF, Zamil; PALMER, John J. Brewing Classic Styles. Brewers Publications, 2007
DANIELS, Ray. Designing Great Beers. Brewers Publications, 2000
SZAMATULSKI, Mark. Clone Brews: Recipes for 200 Commercial Beers. Storey Publishing, 2010
FERGUSON, Euan. Cerveja Artesanal. Quarto Editora, 2018
LAW, Dave; Grimes, Beshlie. Cerveja Artesanal. Publifolha, 2015