Para estrear o blog da Cerveja Marimbondo eu vou postar uma série de textos sobre os 4 elementos da cerveja: água, malte, lúpulo e levedura (fermento). Hoje começando pela ÁGUA, vamos lá?
Uma pergunta muito comum a quem faz cerveja é se é lenda que a água é muito importante. Eu digo que é lenda sim ... só que não rsrs.
Veja bem, a cerveja é formada por 80%-95% de água, então é claro que ela é um ingrediente que não pode ser negligenciado. Mas quando se pensa em importância da água na cerveja imagina-se algo como a lenda que a água de Petrópolis é a ideal, e coisa e tal. Então, deixa eu explicar melhor porque eu digo sim e não.
Usualmente as cervejarias utilizam diferentes fábricas pra produzir sua cerveja, e ficaria caro ter que levar a todas essas fábricas a água proveniente de uma fonte única. Então, o que se faz é pegar a água de uma fonte confiável próxima. Para que o produto final seja sempre o mesmo, o que o produtor faz é normalizar a água, ou seja, jogam substâncias químicas (sais, ácidos, etc) pra que a água final tenha a mesma composição sempre. Por isso eu digo que a água, nesse contexto, não é importante, pois os desvios são corrigidos com essas adições.
As adições servem também para o cervejeiro caseiro poder fazer uma cerveja próxima do modelo a ser reproduzido. Por exemplo, se quer fazer uma Stout perfeita, pode pegar uma água mineral qualquer e usar a química pra fazê-la semelhante à agua de Burton upon Trent (ou Burton-on-Trent), uma região de Staffordshire, Reino Unido, terra natal da Stout/Porter.
Porém, contudo, entretanto, todavia, quanto menos composto químico for adicionado aos ingredientes principais, mais pura fica a cerveja (parte das dores de cabeça que se têm ao tomar cerveja vêm desses compostos adicionados). Então, é melhor pegar água a mais próxima possível da desejada. Aí, nesse contexto, a água é importante.
Pra falar da água eu vou falar muito sobre química, pois basicamente, são os elementos químicos que definem a água e como trabalhar com ela pra adequar a determinada receita.
Curiosidade: devido ao fato da água passar pela fervura, sendo assim esterilizada, durante o processo de fabricação da cerveja, na idade antiga era mais seguro beber cerveja que água, pois ela vinha, muitas vezes, de fontes biologicamente contaminadas. Tal fato é citado no vídeo do Prof. Daniel:
Introdução a alguns termos
Antes de ir adiante nos elementos e suas características, devo explicar alguns termos que caracterizam a água. A maioria deles são descritos em relatórios de análise, que podem ser adquiridos com empresas especializadas, ou vêm apresentados nos rótulos nas embalagens das águas comerciais.
-Os componentes são usualmente medidos em ppm (partes por milhão). 1 ppm equivale a 1mg em 1 litro, ou 1mg/L.
-pH: significa potencial hidrogeniônico e indica a acidez (pH<7), neutralidade (pH=7) ou alcalinidade (pH>7) de uma determinada solução.
Como comparação, a cerveja já pronta possui pH entre 4 e 5, o suco de laranja possui pH 3,5 e o leite pH 6,5.
-Dureza: esse termo vem do inglês (“hard to foam”) e se refere a substâncias que dificultam a formação de espuma nos processos de tratamento de água. Aliás, quem já foi a Bonito (MS) percebeu que o xampu mal faz espuma, é porque a água de lá é dura.
A dureza da água é formada pela presença de sais de Cálcio (Ca) e de Magnésio (Mg) e é composta de duas partes, a temporária e a permanente. A dureza temporária está relacionada com a concentração destes sais quando ligados a carbonatos e bicarbonatos (por isso, ela também pode ser chamada de dureza carbonatada), e essas ligações se desfazem com a fervura da água, ou seja, a fervura reduz este tipo de dureza, daí o nome ‘temporária’. Já a dureza permanente é relacionada à concentração de Ca e Mg ligados a outros ânions, como cloretos, nitratos e sulfatos, ela não diminui com a fervura e também pode ser chamada de dureza não-carbonatada .
A dureza geral ou dureza total da água é a soma destas duas parcelas, a dureza temporária mais a dureza permanente.
-Alcalinidade: esse termo indica a quantidade de íons que reagem para neutralizar os íons hidrogênio, em outras palavras, é a capacidade da água de neutralizar os ácidos.
Ela é constituída pelos íons Hidróxido (OH-), Carbonatos (CO3-) e Bicarbonatos (HCO3-).
-Alcalinidade residual: calculada pela diferença entre a dureza carbonatada e a dureza não-carbonatada. Ela é o resultado final da competição entre os íons com propriedade de diminuição do pH e os íons com propriedade de aumento do pH.
Elementos Químicos
Esses são os principais elementos químicos que tratamos quando falamos de água cervejeira:
Cálcio (Ca+2), afeta dureza:
Essencial pra levedura, reduz o pH, melhora a floculação, reduz adstringência, ajuda na claridade, sabor e estabilidade
Ideal entre 50ppm e 150ppm. Mínimo de 40ppm pra evitar beerstone (oxalato de cálcio)
Magnésio (Mg+2), afeta dureza, aroma e gosto:
Normalmente já vem no malte
Acentua acidez/azedume em pequena quantidade
Adstrigente em grande quantidade
Nutriente pra levedura
Ideal entre 0 e 30ppm. Mínimo de 5ppm pra floculação
Acima de 50ppm dá gosto azedo-amargo, mais que 125ppm é laxativo e diurético
Normalmente já tem no malte, numa proporção de cerca de 130ppm. Nos casos de cervejas escuras sugere-se adicionar +30ppm na água
Bicarbonato (HCO3-1), afeta alcalinidade:
Altamente alcalino
Em cervejas claras, deve ser abaixo de 50ppm ou deve ser balanceado com Cálcio pra reduzir RA (Alcalinidade Residual)
Em cervejas escuras é desejável ter alto ppm
Não desejável em água de sparging (libera silicato, taninos, polifenóis)
Pode ser reduzido através de aeração ou fervura
Sódio (Na+1), afeta aroma/gosto:
Azedo se em pequena quantidade
Venenoso pra levedura e gosto áspero se em grande quantidade
Junto com Cloro acentua aroma e arredonda a cerveja. Acentua doçura do malte
Ideal ente 50 e 150ppm, mas o limite superior deve ser evitado em água com muito Sulfato pra evitar a aspereza (exceção Gose, com 250ppm), acima de 200ppm fica salgada
Na prática: até 100ppm.
Combinação de alto ppm com o Sulfato gera amargor ríspido. Manter pelo menos um dos dois em nível baixo
Cloreto (Cl-1), afeta aroma/gosto:
Arredonda e melhora estabilidade e clareza da cerveja, além de acentuar o caráter maltado
Ideal entre 10ppm e 100ppm, mas o limite superior deve ser evitado em água com muito Sulfato pra evitar a aspereza (exceção Dortmund Export, 130ppm)
Acima de 300ppm gera aromas medicinais (clorofenóis)
Acima de 250-300 gera sabor mineral e prejudica o metabolismo da levedura
Acima de 100ppm provoca corrosão das tubulações e conexões
Sulfato (SO4-2), afeta aroma/gosto:
Combina com Ca e Mg pra contribuir com a dureza permanente
Provê assertividade e secura pra cervejas com alto IBU
Ideal entre 0 e 250ppm, mas o limite superior deve ser menor que 150ppm a não ser em casos altamente lupulados.
Em torno de 350ppm causa aroma de enxofre, fica adstringente
Acima de 750ppm causa diarreia
Deve ser mantido o mínimo possível em lagers com lúpulos nobres
Ferro (Fe+2):
Perceptível a partir de 0,3ppm
Gera gosto metálico
Oxidante; degenera as leveduras durante a fermentação; escurece a espuma e a cerveja
Manganês (Mn+2):
Perceptível a partir de 0,05ppm
Gosto muito metálico
Oxidante; degenera as leveduras durante a fermentação; escurece a espuma e a cerveja
Nitrato (NO3-1):
Ideal menor que 10ppm pra beber água; pra água cervejeira deve ser menor que 45ppm
Convertido pra Nitrito na infusão
Venenoso pra levedura se acima de 0,1ppm de Nitrito
Sulfeto (S-2):
Aroma de ovo podre, enxofre. Não deve ser percebido na água
Potássio (K+1):
Gosto salgado se em alta concetração
Acima de 10ppm inibe algumas enzimas
O malte gera potássio pro mosto em quantidade aceitável
Zinco (Zn+2):
Nutriente pra levedura entre 0,15 e 0,6ppm. É tão benéfico que é chamado de 'o Viagra da levedura'
Acima de 1ppm é tóxico pra levedura e gera gosto metálico
Cobre (Cu+2):
Benéfico para a levedura se abaixo de 1ppm
Um pedaço pequeno de cobre na tubulação já é suficiente
Em pequenas quantidades reduz sulfitos e compostos sulfurados (H2S)
O vídeo abaixo resume alguns dos sais citados. Dependendo da fonte de estudo, as quantidades mínima e máxima dos elementos podem variar.
Enfim, todos esses valores e elementos químicos caracterizam o perfil da água e norteiam nossas ações para os ajustes. Tais ajustes são chamados também de correção e podem ser feitos por diferente métodos, como diluição da água com água destilada (desmineralizada), filtragem, adição de sais e assim por diante.
Num próximo post eu vou mostrar como fazer essa correção através da adição de sais e com o auxílio de uma planilha em Excel.
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