A simplicidade da Pilsen é uma armadilha. Veja aqui como se dar bem nesse estilo.
Pegue dicas de ouro dadas por especialistas pra você não errar na sua próxima Pilsen.
Introdução
Por sua simplicidade, esse estilo é uma pegadinha. Sempre que vou ensinar a fazer cerveja eu sugiro não começar por uma lager, principalmente cervejas limpas como a pilsen.
O motivo é que, por sem bem limpa, é preciso cuidado redobrado em todo manuseio de ingredientes, nas temperaturas, aplicação das técnicas, controle da fermentação e maturação e por aí vai. Qualquer erro aparece no final. Para quem vai fabricar pela primeira vez acaba sendo muita informação já de cara, dificultando o aprendizado.
Por isso, em minhas aulas, eu ensino com estilos mais robustos, como APA, Trigo, IPA ou Stout. Quando o aluno ganha mais prática, ele pode partir para as lagers.
Mas isso não quer dizer que você não deva aceitar o desafio. Tendo o devido cuidado, é possível sim fazer a Pilsen dos sonhos.
Como dito no post anterior, a Pilsen é límpida, dourada, valoriza o malte e os aromas dos lúpulos nobres da região (originalmente, região da Boêmia). Mas há ligeiras diferenças entre os exemplares tchecos e os alemães.
Características
Tchecas x Alemãs
As lager alemãs diferem porque são quase sempre completamente atenuadas, enquanto as tchecas podem ter uma pequena quantidade de extrato residual que permanece na cerveja pronta.
Assim, no caso das tchecas, devido à sua FG ligeiramente mais elevada (e, portanto, uma atenuação aparente ligeiramente inferior), tendem a ter corpo e sensação de boca mais cheios e perfil de sabor mais rico e complexo do que outras cervejas equivalentes em cor e grau, essa FG um tanto maior é conseguida, principalmente, pelo uso de leveduras típicas tchecas.
Por falar em rampas, as lagers tchecas são tradicionalmente feitas com uso de decocção, mesmo com maltes modernos e bem modificados, enquanto a maioria das lagers alemãs são feitas por infusão simples (uma rampa) ou escalonada (várias rampas). Essas diferenças caracterizam a riqueza do perfil de sabor e sensação na boca que distingue os exemplares tchecos e, por outro lado, as lagers alemãs tendem a ter um perfil de fermentação mais limpo.
Quanto à fermentação, as lagers tchecas tendem a fermentar entre 7 e 10°C e por mais tempo, e podem ter uma quantidade pequena, quase imperceptível de diacetil (perto do limiar de percepção) que muitas vezes é percebido mais como um arredondamento do que defeito.
Curiosidade: As cervejas tchecas são geralmente divididas pela densidade/gravidade (Draft, Lager, Special) e cor (Pale, Amber, Dark). Os nomes tchecos para estas categorias são Svetle (Pale), Polotmavé (Amber) e Tmavé (Dark). As classes de densidade (gravidade) são Výčepní (Draft, de 1.028-1.040), Lezak (Lager 1.044-1.048) e Speciální (Special, 1.052 ou mais).
A Decocção
A decocção é o bicho-papão de muitos cervejeiros, por isso, evitam fazê-la.
De forma bem resumida, é um processo no qual parte da mistura água+grãos é retirada da panela de mostura e levada a uma outra panela, onde é aquecido até uma determinada rampa por um determinado tempo, levado à fervura e depois volta à panela de mostura. Isso pode ser feito uma vez (decocção simples) ou várias (decocção dupla, tripla etc). A Pilsen original, segundo o mestre cervejeiro inglês H. Lloyd Hind, passava por decocção tripla. Para quem quiser saber mais sobre decocção, recomendo ler este artigo do Lamas ou essa palestra da AcervA Carioca.
Caso você não queira ser tão tradicionalista há o plano B, que envolve o uso de malte melanoidina na receita. Esse malte contém taxas mais elevadas de melanoidina, um composto formado pela junção açúcar+ácidos e fruto da reação de Maillard. Tal composto é um dos principais produtos gerados em uma decocção e que imprime aromas que remetem a casca de pão.
Curiosidade: Na República Tcheca, a palavra 'pilsner' ou 'pilsen' é considerada uma apelação de origem, assim, somente as cervejas fabricadas na cidade de Plzen podem usar a palavra 'pilsner' no nome. Tal privilégio se restringe à Pilsner Urquell e à cervejaria Gambrinus.
Nas demais cidades daquele país, outras cervejarias fabricam o estilo, mas no rótulo elas colocam seu nome seguido do número 12.
Fora do país, o uso vai conforme cada legislação.
É mais ou menos o que ocorre aqui no Brasil, cuja legislação permite que cervejas de massa (aquela geladinha da esquina, ou a que desce redondo) possam usar o termo pilsen no rótulo, mas NÃO SÃO PILSEN!! Elas entram no estilo 'Standard American Lager' com uso elevado de adjuntos, como o milho ou arroz.
Estilos segundo o BJCP
O BJCP mudou um pouco a classificação das pilsen em 2015 em relação ao que era em 2008. Como muita gente estava acostumada com a forma antiga, segue, um resumo de onde a pilsen e suas variações entram:
BJCP 2008:
1. LIGHT LAGER
1D. Munich Helles
1E. Dortmunder Export
2. PILSNER:
2A. German Pilsner
2B. Bohemian Pilsener
2C. Classic American Pilsner
3. EUROPEAN AMBER LAGER:
3A. Vienna Lager
3B. Oktoberfest/Märzen
BJCP 2015:
3. CZECH LAGER
3A. Czech Pale Lager
3B. Czech Premium Pale Lager
3C. Czech Amber Lager 3D. Czech Dark Lager
4. PALE MALTY EUROPEAN LAGER (categoria de estilo que abrange as Pilsner alemãs, maltadas e claras, orientadas para os maltes, de intensidade Vollbier e Starkbier. Mesmo quando são maltadas, estão bem atenuadas e são lagers limpas, como a maioria das cervejas alemãs):
4A. Munich Helles
4B. Festbier
4C. Helles Bock
5. PALE BITTER EUROPEAN BEER (categoria que descreve cervejas de origem alemã, que são claras e ainda tem um balanço amargo, com um leve a moderadamente forte caráter lupulado, que destaca lúpulos alemães clássicos. Normalmente, elas são de fermentação baixa ou acondicionamento e maturação a frio (lagered) para proporcionar um perfil suave, bem atenuado, como a maioria das cervejas alemãs):
5A. German Leichtbier
5B. Kölsch
5C. German Helles Exportbier (algumas vezes conhecida como Dortmunder ou Dortmunder Export)
5D. German Pils.
Dicas Finais
Como puderam ver, há uma quantidade bem grande de subestilos, por isso, a seguir eu falarei daqueles mais comumente fabricados.
Ingredientes
No séc. XVIII, a receita era formada, basicamente, por malte Pilsen, lúpulo Saaz, água de Plzen (bem leve) e fermento lager. E só.
Mas, conforme a tecnologia dos maltes foi avançando e a busca por novidades também, hoje algumas receitas usam ingredientes a mais. Segundo Ray Daniels, em seu livro Designing Great Beers, as cervejas finalistas do concurso nacional norte-americano (NHC), usam os ingredientes da seguinte forma:
Malte:
Bohemian Pilsner: Receita bem simples: malte pilsen ou two-row (duas fileiras)
German Pilsner: Acrescentam maltes Carapils, Crystal, Vienna ou Munich
Lúpulo:
Bohemian Pilsner: Lúpulo Saaz
German Pilsner: Além do Saaz, usam o Hallertau, Tettnanger ou Hersbruck (nessa ordem de preferência)
Água:
Tipicamente a água para Pilsen é formada assim:
Ca - 7ppm
Mg - 2ppm
Na - 2ppm
Carbonatos - 15ppm
Sulfato - 5ppm
Cloreto - 5ppm
Se você for adicionar Cálcio, prefira Cloreto de Cálcio em vez de Sulfato de Cálcio, pois evita o sulfato, que deixaria o amargor mais áspero, e adiciona cloreto que arredonda o sabor do malte.
Eu, particularmente, acho esse perfil leve até demais. Por isso, eu ajusto o Cálcio, Sulfato e Cloreto para pouco acima de 50ppm, assim eles conseguem fazer seus efeitos na cerveja pronta. Veja aqui quais são esses efeitos.
Fermentação:
A preferência no NHC foi pelo uso da levedura Bohemian lager, seguida pela Pilsener lager (que casam melhor com a German Pilsner).
Alguns usaram a Munich, que é uma ótima pedida caso você queira clonar uma Pilsner Urquell.
Em média elas fermentaram 13 dias a 10°C seguido de maturação por 32 dias a 4°C.
Outras dicas:
Relação água/malte = 2,8 l/kg
Rampa proteica: 55°C por 30min
Conversão: 65°C por 90min (exceto para a Bohemian Pilsner: 70°C)
Mash-out: 75°C por 5min
Água de lavagem com pH=5.7 e não ultrapassar 75°C
Fervura de 90min para garantir mais reação de Maillard e evaporação do DMS (o malte Pilsen contém muito precursor de DMS)
Usar levedura líquida fazendo um starter mais longo (3 dias) e com, pelo menos, 500ml para uma receita de 20l
Fazer dry-hopping
Obviamente, as receitas não devem seguir a ferro e a fogo tudo que foi mencionado acima. Mas se você seguir esse roteiro, já será um ótimo ponto de partida.
O próximo post concluirá essa série com algumas receitas e cuidados para você brassar a sua Pilsen.
Pilsen de verdade!!!
Referências
ZAINASHEF, Zamil; PALMER, John J. Brewing Classic Styles. Brewers Publications, 2007 DANIELS, Ray. Designing Great Beers. Brewers Publications, 2000 MORADO, Ronaldo. Larousse da Cerveja. Lafonte, 2009 MOSHER, Randy. Tasting Beer. Storey Publishing, 2017
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