Nem toda cerveja escura é 'forte'. Nem toda cerveja clara é 'leve'. O ingrediente que gera cor não é o mesmo que gera amargor, e não tem relação direta com o teor alcoólico.
Aqui você vai entender porque é precipitação julgar uma cerveja só pela aparência.
Uma vez eu fiz uma Sweet Stout linda, bem escura, com ótimo corpo, espuma consistente, teor alcoólico dentro do estilo (5.5%) e pouco amargor (28IBUs).
Quando ofereci a um amigo ele pegou o copo, não tomou um gole sequer e disse "Nossa! Essa é forte!"
Pois é ... vamos lá ...
O que é ser forte?
O conceito popular de 'forte' pra cerveja, normalmente, se refere a ser amarga ou alcoólica.
E, como a tolerância a esses dois fatores varia de pessoa a pessoa, o que é uma cerveja forte pra um pode ser ok pro outro ou leve demais para um terceiro.
Sendo assim, vamos esmiuçar o conjunto cor x amargor x álcool x corpo pra entender como eles se relacionam e você poderá até mudar seu conceito sobre o que considera 'forte'.
Cor
Lembra do meu post sobre o Malte? Lá eu explico que, conforme o grau de tosta do malte, terei um produto com diferentes graus de cor, do mais claro ao mais escuro.
Voilá!! É o malte que, a princípio, dá cor à cerveja.
Viram que eu escrevi 'a princípio'? É porque nada impede que o cervejeiro coloque outros ingredientes geradores de cor, como frutas ou até legumes (beterraba, por exemplo).
Além disso, como veremos a seguir, o malte não gera amargor e pode não ter relação direta com o teor alcoólico.
Amargor
Nesse caso, o responsável pelo amargor é o Lúpulo, o qual será tratado com carinho num próximo post.
De forma resumida, o lúpulo é uma trepadeira, da família Cannabaceae (prima da maconha! uhuu!), e que pode ser classificada como macho (não dá flor) e fêmea (dá flor). No caso do processo cervejeiro usamos a flor da planta fêmea.
Dentro da flor existe uma substância chamada lupulina, que contém um ácido chamado alfa-ácido, o grande responsável por imprimir amargor à cerveja.
O amargor da cerveja é medido em IBU (International Bitterness Unit), UA (Unidade de Amargor) ou BU (Bitterness Unit), é determinado por um cálculo específico feito no momento da sua fabricação e as cervejarias quase nunca informam esse índice em seus rótulos. IBU, BU e UA são unidades equivalentes entre si.
Mas nós cervejeiros podemos estimar de quanto será o amargor, ou lupulagem, de nossa cerveja. Para tanto, usamos cálculos (feitos na mão ou via software) que envolvem o teor de alfa-ácido, a quantidade deste ingrediente, seu tempo de fervura e a densidade do mosto.
Pra ter ideia da sensação de amargor conforme o IBU vamos usar aquela cerveja redonda do bar da esquina. Seu amargor é em torno de 6IBUs, levinha. Um verdadeira Pilsen, como a tcheca Czechvar, tem de 35 a 45IBUs, já a Imperial India Pale Ale tem de 60 a (quase intragáveis) 120IBUs.
Mas o IBU, por si só, não é garantia de sensação de amargor na boca. Olhar uma cerveja de alto IBU e achar que ela será muito amarga é uma atitude precipitada, isto porque o amargor depende do IBU e também do teor alcoólico e do dulçor. Um IBU alto se equilibra com um alto teor alcoólico, da mesma forma que se equilibra com um alto dulçor. Em suma, não olhe somente o IBU pra determinar ou imaginar o quanto a cerveja é amarga, olhe o equilíbrio açúcar-amargor-álcool.
Teor Alcoólico
Voltemos ao Malte.
Ainda no post sobre o malte, eu citei que eles, após a secagem, ainda contém bastantes açúcares, por isso são chamados Malte Base, que servirão de alimento à levedura, que gerará álcool.
Já os maltes tostado/cristal/caramelo (Maltes Especiais), tiveram seus açúcares degradados pelo calor, por isso, não são uma boa fonte de alimento à levedura, já que ela não poderá usar tais açúcares para gerar álcool.
Ou seja, o Malte Base, que costuma ser claro, ajuda na geração de álcool. O Malte Especial não muito.
Outro fator gerador de álcool é o tipo de levedura usada. Há algumas cepas (a cepa está pra levedura assim como a raça está para o cachorro) que são capazes de gerar mais álcool que outras, pois são mais tolerantes a ele.
Resumindo tudo, a cerveja depende do teor de malte base e da cepa de levedura para ter mais ou menos álcool. O simples fato de ser clara/escura não implica em ser mais ou menos alcoólica.
Corpo
O corpo humano possui 5 sentidos, um deles é o tato. Este sentido é o primeiro a se desenvolver, sendo crucial para nosso crescimento.
Um dos órgãos responsáveis por receber as sensações táteis é a língua, que se encarrega de perceber os 5 sabores básicos (salgado, doce, amargo, azedo, umami) e também a textura da cerveja, também chamada de corpo.
Uma cerveja encorpada gera, na boca, sensação aveludada, como se tomássemos licor, há uma sensação de preenchimento. Quanto maior a proporção de maltes na receita (e menor a proporção de adjuntos e açúcar) há mais geração de açúcares de cadeia longa (não-fermentáveis) e proteínas, gerando mais corpo na cerveja.
Por outro lado, temos a sensação aguada. Isso ocorre se há muitos adjuntos e açúcares simples na produção, pois há pouca quantidade de açúcares não-fermentáveis e proteínas, e não porque contém mais água!! Na verdade, é mais adequado dizer que a cerveja é seca, ou sem corpo, em vez de aguada.
Exemplos
Nada melhor que exemplos para mostrar como as características acima se relacionam:
American Lager
Cerveja que usa muito adjunto (milho ou arroz), por isso, não são encorpadas, possuem pouco amargor, teor alcoólico médio e podem ser claras, âmbar ou escuras.
Belgian blonde ale
As belgas costumam usar açúcar simples (o nosso açúcar de mesa) na receita. Assim, atingem o teor alcoólico desejado sem acrescentar corpo. Ou seja, são secas, claras e alcoólicas.
IPA
Essas cervejas podem variar bastante de cor (existem as black IPAs, por exemplo), são bem amargas, corpo médio e teor alcoólico médio.
Imperial Stout
Estão no extremo de tudo. Negras, bem amargas, bem encorpadas e bem alcoólicas.
Enfim...
Eu quis mostrar que as sensações que descrevem a cerveja são independentes. Você pode desfrutar uma cerveja escura que pode ser encorpada, pouco amarga, e muito alcoólica. Ou escura, seca, muito amarga e pouco alcoólica.
E por aí vai. O que vale é você experimentar, testar, observar, anotar (mesmo que mentalmente) o que te satisfaz ou não. E, acima de tudo, não ter preconceito, ou melhor, não ter pré-conceito.
Não faça como na propaganda em que o ator pega o copo de cerveja, ergue e exclama "Encorpada!", sem ter colocado nenhum gole na boca.
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