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Foto do escritorEduardo Amorim

Como fazer uma cerveja de guarda (parte 2)

Atualizado: 14 de mar. de 2020

Agora sim, aí vai a receita de uma English Barley Wine com potencial para ser guardada por anos. Só espero que você, ao contrário do mestre cervejeiro que eu menciono nesse post, tenha paciência de esperar...

Exemplos de cervejas do estilo English Barley Wine

 

O que esperar desse estilo?

De modo geral uma EBW (English Barley Wine), quando nova, traz um aroma muito rico e fortemente maltado, com toques de caramelo em versões mais escuras ou um caráter de toffee nas versões mais claras.

A cor pode variar de dourado a âmbar bem escuro ou até mesmo marrom escuro, trazendo uma baixa a moderada formação de espuma.

O sabor traz fortes, intensos, complexos e multifacetados sabores de malte variando de

notas de panificação (bready), toffee, e abiscoitado nas versões mais claras, além de

nozes, tostados profundos, caramelo escuro, e/ou melaço de versões mais escuras. Além disso, é bastante encorpada, quase 'mastigável'.


No livro Vintage Beer, o autor, junto com seus amigos painelistas, fizeram testes de várias amostras da J. W. Lees Harvest Ale e chegaram à conclusão que seu pico ocorre após um envelhecimento de 10 a 13 anos.


O gráfico mais abaixo mostra a variação em vários aspectos (sensação na boca, doçura, caráter de sherry, frutas secas, amargor).

Os exemplares mais envelhecidos trouxeram as seguintes características: a cor acobreada deu lugar a uma matiz granada, sua carbonatação diminuiu chegando a ser quase inexistente após 13 anos.

O aroma teve uma grande redução no calor do álcool, os adocicados de caramelo aumentaram, chegando ao pico após 10 anos; quanto ao lúpulo se tornou imperceptível após apenas 4 anos. As notas de frutas secas, principalmente uvas passas, e o aroma de sherry aumentaram bastante. Tal evolução se deu também no sabor, além de trazer notas de tabaco e couro.

A sensação na boca aumentou nos primeiros anos, e mesmo após 10 anos continuava com um corpo bastante presente, talvez a redução da carbonatação tenha ajudado a aumentar essa sensação de boca cheia.


Perfil de evolução da J. W. Lees Harvest

A receita a seguir busca uma Barley Wine de respeito, com potencial para aguentar e evoluir da mesma forma que a J. W. Lees estudada acima.

 

Receita


A receita preza por usar malte pale ale de alta qualidade (bem modificado) e com pouco teor de lipídios. Fiz uso de um certo percentual de malte líquido para ajudar na brassagem, com menor necessidade de grãos, mas mantendo o caráter de um malte pale ale.


Os lúpulos são ingleses, com seu caráter terroso e herbal e, principalmente, com alta relação bet-ácido/alfa-ácido.


A levedura é líquida, inglesa, com perfil extremamente limpo, alta atenuação e própria para cervejas com 10% ABV e alta floculação.


Veja que tanto a mostura quanto a fervura têm duração de 90min. Não são as 4h citadas no post anterior, mas busquei um tempo relativamente longo pra ajudar na formação de melanoidinas.

 

Ingredientes

Água - 42l e ajustada para garantir os nutrientes e realçar o malte

Ca 100ppm

Mg 30ppm

Na 0ppm

SO4 80ppm

Cl 200ppm

HCO3 100ppm


Malte

Maris Otter - 6kg

Crystal 80L - 800g

Malte Líquido Pale Ale - 1,7kg


Lúpulo

Northdown 8.5% - 70g

Admiral 14.75% - 20g


Levedura

Levteck 07 English Ale - 02 pacotes em um starter de 2l


Outros

Whirfloc - pastilha para 20l

Zinco - 0,36ppm

Servomyces ou algum nutriente de levedura. Eu uso uma pastilha de levedura para consumo bumano que se encontra em farmácia. Esse é um produto usado para regularizar a flora intestinal e pode ser usado como fonte de nutrientes.


ATENÇÃO: se o nutriente que você for usar já contiver zinco, não adicione mais; ou seja, desconsidere os 0.36ppm de zinco que mencionei, pois esse elemento em excesso é tóxico para a levedura.


Levedura Probene em comprimidos

 

Mostura

65°C por 90min (a temperatura escolhida favorece a beta-amilase)

Mashout a 78°C por 10min


 

Fervura

90min com as seguites adições:

  • Northdown 8.5% 70g aos 0min (início da fervura)

  • Whirlfoc, Zinco e/ou nutrientes aos 75min (faltando 15min pro final)

  • Admiral 14.75% 20g aos 90min (ao apagar do fogo)


Lembre-se de, depois que a fervura começar, aguardar 10min antes de começar a contar os tempos acima. Esses 10min servem pra dar tempo de ocorrer a coagulação proteica.


 

Ao final, o resultado esperado deve ser esse:

  • Densidade inicial (OG) 1.100

  • Densidade final (FG) 1.026

  • Teor alcoólico 10% ABV

  • Amargor 55 IBU

  • Cor 33EBC

 

Fermentação e maturação


Segundo Jamil Zainasheff em seu livro Yeast, para garantir uma fermentação saudável em uma cerveja muito densa e alcoólica, deve-se seguir as seguintes dicas:

  • Aeração inicial com oxigênio (só ar não é suficiente). Eu uso aquela bombinha de aquário e uma pedra difusora por 15min. Se não tem cilindro de oxigênio, garanta, pelo menos, a aeração com ar. Só a agitação do fermentador poderá não ser suficiente para adicionar a quantidade de oxigênio que essa receita pede.

  • Adicionar uma segunda dose de Oxigênio entre 12 e 18h após inoculação (tempo necessário para, pelo menos, uma divisão celular). Isto aumenta velocidade de fermentação em 33% e diminui componentes aromáticos (diacetil e acetaldeído).

  • Para OG>1.100, pitching rate de 1.4milhões/ml/°P (ex: pra 1.106, P=106/4=26.5°P, pitch=26.5*1.4~37milhões/ml). Ou seja, pra uma panela de 20l isso daria 740 bilhões, ou 4 pacotes de fermento seco. Nesse caso, eu estou usanso 2 pacotes de levedura líquida mais starter de 2 litros.

Temperatura

  • Controle de temperatura é crítico nas primeiras 72h. Baixa demais, a fermentação pára; alta demais, geram-se muitos off-flavors.

  • O ideal é começar cerca de 2°C abaixo da temperatura padrão e ir aumentando no decorrer das 48h.

  • Manter a temperatura durante os ¾ de tempo previsto pra fermentação. No ¼ final (nos 2 últimos dias), elevar em 3°C pra eliminar off-flavor.

Maturação.

  • Reduzir temperatura 2°C/dia até chegar a 4°C. A redução rápida (em menos de 6h), faz a levedura excretar mais ésteres em vez de absorvê-los.


Sendo assim, seguir o seguinte perfil de fermentação e maturação:

  • 2 primeiros dias, começando a 18°C e subindo até 20°C (subir 1°C por dia)

  • Manter a 20°C por 7 dias

  • Subir de 20°C para 23°C ao longo de mais 2 dias e manter em 23°C por 1 dia. Nisso, a fermentação durou um total de 10 dias.

  • Maturação a frio: baixar, ao longo de 10 dias, de 23°C para 4°C e manter a 4°C por 5 dias.


 

Envase e conservação


A refermentação é feita com priming buscando de 2 a 2.3 volumes de CO2. Isso dá em média 5g/l de açúcar invertido.


Quanto a onde guardar sua cerveja, como o calor e a luz afetam a velocidade de oxidação da cerveja, dê uma atenção ao armazenamento. Coloque as cervejas naquele quartinho que fica fechado a maior parte do tempo ou invista em uma adega. Lembre sempre de guardar as cervejas de pé, para diminuir a área de contato da bebida com o ar na garrafa.


A temperatura ideal de armazenamento é de cerca de 5°C abaixo da temperatura de fermentação, ou seja, em torno de 15°C nessa nossa receita.


Quanto à garrafa, escolha as de 500ml ou 600ml, tampa pry-off e, se possível, vede a tampa com cera (veja o vídeo abaixo como fazer essa selagem).




Para os 20l, no fim, você terá cerca de 30 garrafas de 600ml.

Sugiro colocar datas nas garrafas com o dia do envase, separar 2 garrafas para beber cerca de 30 dias após o envase. Essa será sua referência da cerveja fresca.

Reserve 2 garrafas para cada ano seguinte, assim, você poderá provar 2 garrafas a cada ano ao longo de uns 14 anos e verificar se a evolução condiz com o previsto no início desse post.


 

Conclusão

Atenção aos detalhes, matéria-prima de qualidade e paciência, muita paciência. Esses são os segredos pra fazer cervejas de longa duração.


Meu primeiro mestre cervejeiro, quem me ensinou os primeiros passos, disse que ele e uns amigos tentaram fazer esse experimento de fabricar uma cerveja e provar uma garrafa a cada ano para analisar sua evolução.

No terceiro ano aconteceu uma tragédia. Eles ficaram bêbados e tomaram as 7 garrafas restantes, ficando assim, sem muita história pra contar.


Se você vai ter a paciência necessária para manter, anotar, comparar exemplares ao longo de meses ou anos eu não sei, mas com certeza, aprender sobre a química que rege as cervejas de guarda e aplicar esse conhecimento fará com que suas cervejas fiquem cada vez melhores.


 

Referências

Vintage Beer - Patrick Dawson - Storey Publishing (olha ele aqui na Amazon)

Designing Great Beers - Ray Daniels - Brewers Publications

Yeast - Chris White e Jamil Zainasheff - Brewers Publications

 

Quer aprender a fazer sua própria cerveja? Nós vamos até aí te ensinar, pois atendemos em domicílio (casa, empresa, confraternizações, velório etc etc etc)



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